Que a configuração de forças que compõem o poder na Amazõnia é desigual, isso é fato. E que essa assimeria gera injustiças enormes e (des)conhecidas, também. As vias tradicionais de resistência às diretrizes extremamente excludentes do sistema capitalista de produção, legitimado ou não, é composta por todos os movimentos de resistência organizados sob forma de ONGs, movimentos, cooperativas, enfim todos que defendem causas indígenas, feministas, de saúde, segurança, educação e meio ambiente, geralmente com apoio das instituições religiosas, educativas, partidárias etc. Embora imenso em diversidade de causas, o que há em comum entre todos esses movimentos é a ideologia anti-capitalista, ou pensamento de esquerda, eufemismo nomenclatural. No jogo de forças que hoje é jogado na Amazônia, é possivel dizer que os movimentos que partilham de tal ideologia tem presença e atuação ascendentes também pelo apoio que têm recebido do poder judiciário, sobretudo do Ministério Público.
Percebo nesse caminho, algumas semelhanças com a ascensão do PT ao Poder. Partido dominado inicialmente pela ideologia socialista mas que, ao chegar ao poder, teve boa parte de seu quadro seduzido pelo pragmatismo político, o que têm gerado dissidências e muitas críticas. Atualmente, surgem movimentos ainda mais à esquerda (portanto, ainda mais anti-capitalistas) do que eram os ideários do PT pré-ascendência à presidência. E essa radicalização tem gerado conflitos violentos e que tendem a se agravar na região. Reconheço a legitimidade e a necessidade desses movimentos que se expõem, lutam e cobram mudanças, mas como a perspectiva reivindicatória é sempre de curto prazo, me pergunto onde tudo isso pode dar. Que é preciso resistir, sem dúvida. Que não é possivel mais repetir a história de irmã Doroty, sem dúvida. Que precisamos lutar pelos direitos humanos, é óbvio. Mas a posição que aniquila o outro, que o reduz ao estereótipo do inimigo, parte do princípio que o lado daqui tem toda razão em seus questionamentos e reivindicações e o lado de lá não tem nada, só más intenções. E essa postura é ideológica, entendida como um conjunto impermeável de idéias que se cristalizam nos discursos de um determinado grupo social, que mesmo na luta em prol da causa mais justa, inviabiliza a realização dele, justamente porque ideal, aqui, no mundo real dos homens e das instituições, com suas qualidades e defeitos. Estas, com seus históricos mecanismos de corrupção, cooptam o mais bem intencionado dos gestores públicos, que se vêem entre a ineficácia viciada da máquina governamental, e a pressão de grupos oposicionistas. E entre atender às demandas públicas, e encher o próprio bolso, o sujeito olha tudo o que ele acreditava se diluir em debates inóspitos e pensa que é melhor salvar o dele. E penso também que algumas pessoas que tanto lutam pelas causas ditas "sociais", quando assumem o poder, são os mais refratários à crítica e deixam escapar uma veia autoritária preocupante (como é o caso de alguns gestores do atual governo Ana Júlia).
Defendemos a política como o espaço onde todas as questões devem ser debatidas e deliberadas democraticamente e não "administradas" por instâncias superiores. Ou seja, para se construir uma real esfera pública, onde a política possa ser verdadeiramente exercitada, será necessário mudar a percepção dos grupos que são tão importantes porque defendem os direitos mais legitimos. E aqui abro uma fenda nesses grupos, pois entendo que os índios, ribeirinhos e populações vulneráveis lutam por sua sobrevivência, pois estão diretamente ameaçados pelos processos agressivos do capitalismo, mas e os outros: intelectuais, ativistas, advogados, profissionais liberais, enfim, os mediadores que emprestam sua voz a causa alheia, que fazem? É legitimo o que fazem? Em parte. Quando estão ali para defender os mais vulneráveis, dando maior legitimidade aos movimentos pois são eles que ampliam o eco da causa, ok, mas quando o querem abrigá-la sob um guarda-chuva ideológico qualquer, aí está o perigo. O perigo que abole a pluralidade, que elimina o outro, que não percebe que, de alguma forma, o processo não é meramente dialético, mas complexo, pois os problemas são sistêmicos e suas peças são interdependentes, hoje está muito presente na Amazônia. Então, simplesmente bradar Fora Capitalismo ou Fora Vale pode parecer um grito oco de jovens manifestantes estudantis, mas esse discurso é sedutor porque mobiliza, cria o inimigo objetivo, gerando ódio e atos violentos. E como todo discurso precisa de súditos, é mais sedutor dizer às pessoas que elas devem adotar esta ou aquela causa, do que convocar todos os envolvidos no problema para pensar porque ele surgiu e como resolvê-lo. Entendendo que não haverá soluções definititvas mas sempre rearranjos em função das decisões negociadas pelos grupos. O maior perigo do ideológico é que, ao ignorar o real, reduzindo-o ao horizonte do possivel, ele contribui tanto ou mais do que as próprias forças capitalistas para a grave situação da Amazônia atual. Imaginemos, hipoteticamente, uma mesa onde estivessem sentados todos juntos: indígenas, Vale, governos, trabalhadores, feministas, mídia, ribeirinhos, movimentos sociais, ONGs e sociedade civil; desse encontro poderia surgir uma potência tão mais revolucionária do que qualquer chavão marxista porque ainda não inventaram nada melhor para fazer emergir a verdade do que um homem olhar no olho do outro. Um fórum em que todos estivessem em pé de igualdade, ao expor suas demandas e limites, talvez aí sim pudesse se construir um fio de esperança para a Amazônia.
Sei que este texto pode parecer pró-capitalismo mas, acreditem, não é. Pois desse outro lado, há também uma ideologia de moeda única: o lucro. O lucro individual, financeiro mas sobretudo o do poder e ascendência sobre as instâncias econômicas e políticas que orientam decisões de impacto global. São mecanismos de mobilização bem mais sofisticados do que os dos movimentos citados acima. Daí a importância de documentários com os da Enron e o The Corporation, que nos ajudam a desvendá-los. Mas essa crítica caberá em outro post.
sábado, 15 de agosto de 2009
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