quarta-feira, 26 de agosto de 2009

Reflexão sobre o Mercado

O mercado é geralmente abordado em trabalhos acadêmicos como uma esfera uníssona, idealizado como o espaço de trocas atomizadas e meramente interessado em negociatas lucrativas. Esta pesquisa pretende abordar o mercado como um objeto multifacetado que demanda um olhar à história e à conjuntura que o engendra. Se a racionalidade do mercado é de outra ordem da racionalidade teórica reflexiva, e se os atores, os métodos e os fins mesmos de uma e de outra diferem, somente o enfrentamento da questão permitirá a elaboração de hipóteses sobre os limites da diferença. Talvez o maior desafio metodológico de um trabalho que tem a empresa Vale e seu discurso e prática da sustentabilidade por objeto seja o de testar a possibilidade do uso de paradigmas e instrumental mercadológico para pensá-la teoricamente, comprovando que não se tratam de raciocínios tão distintos que não possam ser acionados conjuntamente para efeito de uma análise.

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Se olharmos de fora, o setor minerador e, especialmente, a Vale não podem ser sintetizados em uma única representação mental, seja imagética, seja discursiva, e talvez apenas a imagem da mina seja a mais mnemônica, posto que não há uma representação mais constante como, por exemplo, a tem a Petrobrás e suas recorrentes imagens das plataformas petrolíferas em alto mar ou seu majestoso prédio-sede no centro do Rio de Janeiro. A Vale, ao contrário, parece não querer divulgar ou cristalizar uma imagem da sede, do núcleo urbano ou da mina de Carajás pois é como se um dos paradigmas de sua comunicação seja justamente a sua pulverização imagética. Essa intencionalidade se deve, entre outros motivos, sobretudo às tensas relações que a companhia mantém, sobretudo, com os funcionários e grupos indígenas.

Por trás do que se “ouve falar” e das polêmicas que sempre envolvem a companhia há um setor produtivo, cuja atuação cotidiana obedece a critérios definidos historicamente, a ser analisado em seus determinantes econômicos e técnicos, seus discursos e suas estratégias, uma vez que o cenário urbano de Parauapebas resulta das disputas de sentido travadas pelos e nos discursos dos atores envolvidos nos processos engendrados pela relação entre a Vale e os stakeholders, mais especificamente no que tange os projetos de sustentabilidade, no qual há uma luta incessante pela hegemonia dos espaços de poder.

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Pretende-se nesta pesquisa, propositadamente, enfatizar as “falas” dos atores que, em suas convergências e conflitos, desconstroem a idéia de um mercado como uma esfera “uníssona” ou transcendente. Ao mesmo tempo em que também visa a expor – sempre no sentido da crítica construtiva – as contradições e disputas de poder que acontecem na própria companhia pois dentro de uma empresa da dimensão da Vale, que lida com montantes expressivos de volume financeiro e recursos humanos, as divergências e disputas são bem maiores do que se tem notícia seja via grande imprensa, seja via trabalhos acadêmicos.

E como este trabalho é tributário da área da comunicação, não trataremos da relação da Vale com a população ou o Estado em Parauapebas, mas especificamente entre a companhia e o que ela nomeia de stakeholders (públicos envolvidos, partes interessadas), que são grupos restritos representativos dos grupos maiores nomeados de Acionistas, Colaboradores, Comunidades Indígenas, Comunidades do entorno, Poder Público, Mídia, Fornecedores. E dentre todos esses, focaremos mais especificamente os stakeholders abrangidos pelos seguinte projetos de sustentabilidade: Vale Alfabetizar, Escola de futebol, Escola que Vale e Estação de Conhecimento APA do Igarapé Gelado.

Retomando a questão inicial, caberia adaptá-la para: o que permeia essa abertura da empresa para o diálogo como os stakeholders? Parte-se então do discurso da companhia, impresso principalmente no seu relatório de sustentabilidade 2007 para o trabalho empírico de visitar e acompanhar o momento mesmo de atuação desses projetos para mapear a opinião de todos nele envolvidos e perceber como se desenvolve na prática as ações ditas “sustentáveis” da Vale em Paruapebas.

Entender esse espaço que a companhia abre para os seus stakeholders como portais de entrada para o implícito, para o que estrutura e produz essa mediação, a começar pelas relações, às vezes sutis, às vezes tensas, existentes entre os diferentes representante da empresa, do poder público e das comunidades é um de nossos mais caros objetivos.

A paisagem urbana de Parauapebas não é produto simplesmente de elaborações ou tramas maquiavélicas de capitalistas insensíveis que visam apenas ao lucro e à exploração da população. Tipos de capitalismo e de capitalistas e estratégias de investimento são fatores ligados à formação e à transformação das redes urbanas e dos espaços econômicos da cidade. Por trás delas – pelo menos nas economias de tipo liberal – encontram-se os agentes reais, elites mais ou menos enraizadas, detentoras do capital, do conhecimento ou capazes de inovações técnicas. É na estrutura social das cidades, mais do que na soma das suas funções, que se deveria procurar a base da organização territorial, através das mudanças históricas, desde a acumulação de renda ligada à posse da terra até à constituição dos territórios de sistemas simbólicos, como é o caso das intervenções da Vale.

Os processos que o produzem geram um espaço controverso de interesses dos stakeholders, ou seja, de todos os implicados no processo. Uma rede infinita de conflitos convive diariamente com a pressão pela sobrevivência, dada a imprevisibilidade dos fatores que norteiam a atividade. É bom lembrar que o lançamento de um projeto de sustentabilidade é sempre uma incógnita, sujeita a sucessos e fracassos. Ao mesmo tempo, é preciso pensar que o sujeito envolvido nesses projetos sociais da empresa não é mais um mero número estatístico de uma massa inqualificável e amorfa, mas um sujeito com capacidade crítica para dar outros significados aos estímulos simbólicos a ele proposto, a partir de seu uso e de sua experiência cotidiana.

domingo, 23 de agosto de 2009

Entre o Ideológico e o Político - Parte II

Dando sequência ao pensamento do primeiro post sobre as diferenças entre o ídeológico e o político, voltemos o foco para a ideologia que também persiste na célula central do capitalismo, que são as empresas. Quando Marx cunhou seu pensamento sobre ideologia, à época ele se referia justamente ao conservadorismo das burguesias industriais, a direita liberal que via no mercado o supremo regulador da economia. Hoje, é corrente no discurso empresarial uma certa repulsa a tudo o que eles consideram "ideológico", termo associado aos movimentos ditos de esquerda, sobretudo os movimentos sociais com posturas mais ativistas como o MST - Movimento dos Sem Terra. Ora, ao deslocar o "ideológico" apenas para organizações que são contrárias em alguma medida a forma de atuação das empresas, estas incorporam o discurso da eficiência técnica como parâmetro para suas decisões. Mas isso apenas acontece no nível discursivo, pois o que as empresas e os defensores da economia de mercado (políticos, ONGs, líderes de opinião, religiosos etc.) dissimulam é que, no fundo, a governança e o poder decisório está sempre à mercê dos interesses e objetivos nem sempre tão transparentes das corporações ou dos setores que atuam globalmente. Ou seja, essa crença na técnica com sua feição imparcial, detentora do conhecimento puro, capaz de distinguir cientificamente o que é melhor para um coletivo, também é uma ideologia pois brota da crença de que a administração ou a gestão dos desafios humanos (muitos, no plural) devem ficar a cargo de especialistas (poucos), que são investidos de legitimidade pelo discurso competente da ciência. para criar modelos técnicos que devem ser seguidos disciplinarmente por todos. Mas o mercado é um mar bem mais revolto do que outras dimensões sociais. Aqui há a concorrência, há uma corrida constante pela atualização tecnológica e há o consumidor: peça surpresa e cada vez mais importante nesse processo. Mesmo em setores cartelizados, onde o consumidor não adquiriu ainda os direitos mínimos necessários para uma relação comercial justa (como é o caso do setor de telefonia celular), o consumidor exige investimentos e pode provocar muitas dores de cabeça as empresas. A exigência por resultdos e produtividade torna o mercado um espaço onde a eficiência é e será sempre cobrada, agora ainda mais com a exigência da sustentabilidade das atividades. Hoje vista como um processo técnico na maioria das empresas, trata-se de um desafio próximo perceber se a sustentabilidade terá um viés mais ideológico ou político nas corporações. Se ela for encarcerada em preceitos técnicos, reduzida a um discurso fechado de propaganda, e cujo não cumprimento pode culpabilizar empregados, ela tenderá ao ideológico. Mas se as empresas forem capazes de realmente abrir o espaço para a discussão, onde argumentos claros visem a persuasão de todos os envolvidos no processo, os chamados stakholders, entendido como espaço de diálogo/conflito, espaço vivo de experiências, e a empresa tiver a ombridade de escutar e incorporar as críticas e sugestões em suas atividades, aí sim teremos uma aborgdagem política da sustentabilidade. Por enquanto, o que temos é ainda um processo embrionário nas empresas de de aprendizado. São modelos de gestão, hierarquias, hábitos e modos cristalizados de pensamento empresarial que estão sendo sacudidos por essa onda sustentável, hoje presente fortemente nas grandes empresas. E é delas que vêm exemplos significativos, pois como há ONGs e ONGs, Movimentos Sociais e Movimentos Sociais, há empresas e empresas, e a necessidade do bom exemplo, como Natura, Banco Real e Burti no caso do mercado brasileiro. O próprio Wal Mart, corporação global, sempre demonizado como a empresa mais representtvia da exploração capitalista, está tentando imprimir mudanças profundas em seus dogmas de gestão, no sentido de se tornar uma empresa "verde". E aqui é uma outra armadilha da sustentabilidade, a da balança que pesa apenas o ambiental, em nada ou pouco se preocupando com o social, muitas vezes confundindo-o com filantropia. E na Amazônia esse quadro fca ainda mais complexo, porque há mais riqueza, iteresses e visibilidade em jogo. De qualquer forma, é fato que a crença na hegemonia da técnica, que se caracteriza pelos procedimentos homogêneos de gestão (um exemplo disso é a área de Recrusos Humanos ou Gestão de Pessoas) é extremamente perigoso porque também é ideológico e não permite o pluralimso, o questionamento, a idéia contrária, em nome da imperiosa e lucrativa uniformização dos processos produtivos.