O mercado é geralmente abordado em trabalhos acadêmicos como uma esfera uníssona, idealizado como o espaço de trocas atomizadas e meramente interessado em negociatas lucrativas. Esta pesquisa pretende abordar o mercado como um objeto multifacetado que demanda um olhar à história e à conjuntura que o engendra. Se a racionalidade do mercado é de outra ordem da racionalidade teórica reflexiva, e se os atores, os métodos e os fins mesmos de uma e de outra diferem, somente o enfrentamento da questão permitirá a elaboração de hipóteses sobre os limites da diferença. Talvez o maior desafio metodológico de um trabalho que tem a empresa Vale e seu discurso e prática da sustentabilidade por objeto seja o de testar a possibilidade do uso de paradigmas e instrumental mercadológico para pensá-la teoricamente, comprovando que não se tratam de raciocínios tão distintos que não possam ser acionados conjuntamente para efeito de uma análise.
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Se olharmos de fora, o setor minerador e, especialmente, a Vale não podem ser sintetizados em uma única representação mental, seja imagética, seja discursiva, e talvez apenas a imagem da mina seja a mais mnemônica, posto que não há uma representação mais constante como, por exemplo, a tem a Petrobrás e suas recorrentes imagens das plataformas petrolíferas em alto mar ou seu majestoso prédio-sede no centro do Rio de Janeiro. A Vale, ao contrário, parece não querer divulgar ou cristalizar uma imagem da sede, do núcleo urbano ou da mina de Carajás pois é como se um dos paradigmas de sua comunicação seja justamente a sua pulverização imagética. Essa intencionalidade se deve, entre outros motivos, sobretudo às tensas relações que a companhia mantém, sobretudo, com os funcionários e grupos indígenas.
Por trás do que se “ouve falar” e das polêmicas que sempre envolvem a companhia há um setor produtivo, cuja atuação cotidiana obedece a critérios definidos historicamente, a ser analisado em seus determinantes econômicos e técnicos, seus discursos e suas estratégias, uma vez que o cenário urbano de Parauapebas resulta das disputas de sentido travadas pelos e nos discursos dos atores envolvidos nos processos engendrados pela relação entre a Vale e os stakeholders, mais especificamente no que tange os projetos de sustentabilidade, no qual há uma luta incessante pela hegemonia dos espaços de poder.
Pretende-se nesta pesquisa, propositadamente, enfatizar as “falas” dos atores que, em suas convergências e conflitos, desconstroem a idéia de um mercado como uma esfera “uníssona” ou transcendente. Ao mesmo tempo em que também visa a expor – sempre no sentido da crítica construtiva – as contradições e disputas de poder que acontecem na própria companhia pois dentro de uma empresa da dimensão da Vale, que lida com montantes expressivos de volume financeiro e recursos humanos, as divergências e disputas são bem maiores do que se tem notícia seja via grande imprensa, seja via trabalhos acadêmicos.
E como este trabalho é tributário da área da comunicação, não trataremos da relação da Vale com a população ou o Estado em Parauapebas, mas especificamente entre a companhia e o que ela nomeia de stakeholders (públicos envolvidos, partes interessadas), que são grupos restritos representativos dos grupos maiores nomeados de Acionistas, Colaboradores, Comunidades Indígenas, Comunidades do entorno, Poder Público, Mídia, Fornecedores. E dentre todos esses, focaremos mais especificamente os stakeholders abrangidos pelos seguinte projetos de sustentabilidade: Vale Alfabetizar, Escola de futebol, Escola que Vale e Estação de Conhecimento APA do Igarapé Gelado.
Retomando a questão inicial, caberia adaptá-la para: o que permeia essa abertura da empresa para o diálogo como os stakeholders? Parte-se então do discurso da companhia, impresso principalmente no seu relatório de sustentabilidade 2007 para o trabalho empírico de visitar e acompanhar o momento mesmo de atuação desses projetos para mapear a opinião de todos nele envolvidos e perceber como se desenvolve na prática as ações ditas “sustentáveis” da Vale em Paruapebas.
Entender esse espaço que a companhia abre para os seus stakeholders como portais de entrada para o implícito, para o que estrutura e produz essa mediação, a começar pelas relações, às vezes sutis, às vezes tensas, existentes entre os diferentes representante da empresa, do poder público e das comunidades é um de nossos mais caros objetivos.
A paisagem urbana de Parauapebas não é produto simplesmente de elaborações ou tramas maquiavélicas de capitalistas insensíveis que visam apenas ao lucro e à exploração da população. Tipos de capitalismo e de capitalistas e estratégias de investimento são fatores ligados à formação e à transformação das redes urbanas e dos espaços econômicos da cidade. Por trás delas – pelo menos nas economias de tipo liberal – encontram-se os agentes reais, elites mais ou menos enraizadas, detentoras do capital, do conhecimento ou capazes de inovações técnicas. É na estrutura social das cidades, mais do que na soma das suas funções, que se deveria procurar a base da organização territorial, através das mudanças históricas, desde a acumulação de renda ligada à posse da terra até à constituição dos territórios de sistemas simbólicos, como é o caso das intervenções da Vale.
Os processos que o produzem geram um espaço controverso de interesses dos stakeholders, ou seja, de todos os implicados no processo. Uma rede infinita de conflitos convive diariamente com a pressão pela sobrevivência, dada a imprevisibilidade dos fatores que norteiam a atividade. É bom lembrar que o lançamento de um projeto de sustentabilidade é sempre uma incógnita, sujeita a sucessos e fracassos. Ao mesmo tempo, é preciso pensar que o sujeito envolvido nesses projetos sociais da empresa não é mais um mero número estatístico de uma massa inqualificável e amorfa, mas um sujeito com capacidade crítica para dar outros significados aos estímulos simbólicos a ele proposto, a partir de seu uso e de sua experiência cotidiana.