segunda-feira, 8 de junho de 2009

Texto da Maria Celia Paoli

Parte II

"O texto visa a examinar a entrada no terreno do ativismo social voltado para o 'benefício público' de um ator nele inesperado: o empresariado. O interesse de examinar ação social voluntária vem sobretudo da ambiguidade com que se move em relação às delimitações entre interesse privado e ação pública, particularmente evidente do ponto de vista da interrogação do projeto (a possibilidade de ações contra-hegemônicas). É possivel perceber, de um lado, o possivel potencial inovador que a mobilização responsável empresrial dirige ao trasnbordamento da pobreza e das oportunidades de vida dapopulação carente. D outro lado, é visivel que essa mobilização oculta as políticas que aprofundam a exclusão social e desorientam politicamente a própria sociedade brasileira".

"Espero encaminhar neste capítulo a hipótese de que, não obstante os programas sociais produzidos pelo ativismo social empresarial apresentarem dimensões bastante positivas, os critérios próprios à noção de globalização hegemônica propostos neste projeto, como também os critérios acima expostos sobre o que vem a ser a dimensão pública e política do agir político, parecem indicar que este caso é mais um contra-exemplo de uma ação democrática participativa do que uma ação contra-hegemônica, podendo complementar-se, sem contradições insuperáveis, aos arranjos neoliberais".

Esses trechos das páginas 378 e 379 me fizeram refletir sobre alguns pontos.
O primeiro é a diferença entre ações filantrópicas e de RSE. Na verdade, há tempos que as empresas tentam imprimir profissionalismo às suas ações de RSE, incorporando-as às estratégias de negócios, inclusive anunciando publicitariamente essas ações. Ou seja, elas passam a compor o branding porque isso valoriza a percepção da marca pelos consumidores, que são informados sobre essas ações e podem decidir se acreditam ou não na proposta da empresa.

O segundo problematiza essa colocação de Paoli, pois quando nos aproximamos do cotidiano das relações estabelecidas entre empresa e os públicos impactados pelas ações, entram aí todos os fatores que escapam ao controle dos interlocutores em situação de comunicação, justamente por seu carater "entre". O que escapa e o que boicota. O que não funciona e o que resiste. E o simples fato de a empresa ter, em alguns casos, mais legitimidade junto às populações carentes (como é o caso da Vale) do que os próprios governantes, se isso facilita a ação mobilizadora num primeiro momento, seus efeitos nenhuma empresa jamais será capaz de controlar totalmente.

Terceiro: mesmo que apoiados em técnicas, profissionalismo e sistematização de conhecimento, os programas sociais e ambientais das empresas são, antes de tudo, um espaço de comunicação, pois a política de transparência exige visibilidade, que significa tornar público. Para Arendt, público significa, "em primeiro lugar, que tudo que vem a público pode ser visto e ouvido por todos e tem a maior divulgação possivel. Para nós, a aparência - aquilo que é visto e ouvido pelos outros e por nós mesmos - constitui a realidade. (...) Uma vez que nossa percepção da realidade depende totalmente da aparência, e portanto da existência de uma esfera pública (...) E em segundo lugar, o termo público significa o próprio mundo, na medida em que é comum a todos nós... Conviver no mundo significa essencialmente ter um mundo interposto entre os que nele habitam, como uma mesa se interpõe entre os que assentam a seu redor, pois, como todo intermediário, o mundo ao mesmo tempo separa e establece uma relação entre homens". E esse mundo, no caso da pesquisa é um território do planeta terra privilegiado em riquezas naturais (ameaçado) e altamente desprivilegiado em recursos humanos, devido ao baixo IDH da população (ameaça). Este é o mundo, a mesa, a esfera pública onde emergem ações (no sentido tb arendtiano, em contraponto a noção de comportamento) que são também, discursos, situações de comunicação. É percebendo o papel da mesa, o que ela tem de ponte e de abismo, que podemos tomá-la ou não como o palco da vida activa, capaz de gerar o ato inédito (natalidade) que Arendt diz só ser possivel de ser realizado por homens, entre homens, ou seja, na esfera pública. E desse encontro sempre pode surgir o ato inédito, libertador, que pode ser inclusive a empresa perceber que, depois de treinados e capacitados, aqueles mesmos a quem ela tentava "ajudar" podem utilizar suas competências para reivindicar direitos contrários aos interesses das empresas.

E , por fim, é emblemático que boa parte do pensamento de Hannah Arendt impresso no livro A Condição Humana, autora basilar para Paoli, só foi possivel graças ao apoio de duas bolsas da Fundação Rockefeller. Ou seja, novamente, desacreditar o ativismo social empresarial é, de alguma forma, não perceber que a fratura entre capital e social é um paradigma do pensamento ocidental que precisa ser revisto.

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