


Tudo aquilo que Hannah Arendt nos falava dos oimoi foi o que encontrei ontem em plena zona rural de Parauapebas. Na área da APA do Igarapé Gelado, que é administrado pelo Instituto Chico Mendes do IBAMA, habitam colonos que para cá vieram sobretudo na década de 80, a maioria vinda de Curionópolis para plantar. São agricultores que têm uma longa história de relação com a Vale, com quem já tiveram todo tipo de conflito. Hoje, a Vale construiu a Estação do Conhecimento, que é um projeto educacional voltado para o mundo rural, que inclui a criação de uma OSCIP e de uma Cooperativa de forma a que a comunidade se aproprie de técnicas agrícolas e pecuárias de ponta para aumentar a produção e organziar a comercialização do excedente, pois idéia é fazer uma agricultura familiar comercial. Mas nada disso é possivel sem a mobilização das pessoas, e nesses três dias está havendo essa atividade que é ministrada por dois coordenadores do instituto Fonte de São Paulo, para funcionários e diretores da Vale, técnicos e gestores da Estação, alguns consultores (da Diagonal de São Paulo) e para a comunidade da APA, muitos associados a APROAPA (a maioria dos participantes). Uma das atividades que mais me tocou foi quando o Tião, um dos coordenadores, incentivou todos ali presentes a contarem a história daquela comunidade, e foi incrível ver os mais antigos da Vale e da Comunidade contarem uma história de luta, sangue e coragem de apropriação do território - uma história que não está nos livros nem nos meios de comunicação. A luta por transformá-lo em APA - Área de Poteção Ambiental, e como um dia a Vale já foi truculenta na relação com a comunidade e como hoje ela mudou. Cheguei a registrar em foto esse momento que, pra mim, foi o mais significativo até aqui dessa relação. A Estação tem tudo para ser uma referência de projeto sustentável não porque tenha preocupação ambiental, produtiva ou social meramente, mas porque, sobretudo, coloca a comunidade no mesmo patamar decisório da Vale e da prefeitura. Porque fomenta um protagonismo que não é fácil de ser fomentado, mas a experiência e a inicativa que ali vi, de pessoas que um dia estavam de lados opostos, hoje podem participar da mesma conversa, discutindo e decidindo juntos, entre iguais, quais rumos o coletivo deve tomar, é sem dúvida, uma experiênca que eu diria inédita. Como afirma a Izabel, a APA não é a Atenas, e a Estação não é a Agora, mas nesses 3 dias, acho q ela chegou perto, e acho que a Hannah ia amar viver essa experiência que tive o privilégio de participar. E ainda teve o almoço delicioso na cabana, com todos os participantes.
Só para dar um pingo no i: ontem a governadora Ana Julia esteve aqui, inaugurando uma escola e algumas outras obras. Perguntei para alguns da comunidade o que eles falariam com a governadora, e eles (todos) disseram que ela deveria apoiar projetos como o da Estação porque ali sim eles viam o resultado concreto para a vida deles. Se há uma perspectiva que considera as ações de sustentabilidade mais uma forma de dominação simbólica das empresas, acho que a experiência da Estação é um caso mais complexo do que isso porque ali há um espaço democrático que visa ao protagonismo da comunidade.
As mulheres da Estação em Parauapebas não tomam whisky com os executivos da Vale, mas também decidem com os homens em pé de igualdade. A democracia não é um favorecimento do Estado, das empresas, mas de todos os agentes dinâmicos da sociedade que no processo de tensão/negociação inventam sua sociabilidade sustentável.
ResponderExcluirSílvio di Sant'Anna